domingo, 9 de outubro de 2011

Texto escrito por SANDRA ROMANINI após 4º BATE-PAPO COM A INFÂNCIA!!

Você já pensou nisto ?

Responsabilidade pela sustentabilidade

do sujeito na(s) criança(s)

em nosso ambiente de trabalho.

Sandra Meurer Romanini

Falar sobre este tema da responsabilidade, em nosso ambiente de trabalho, em relação à constituição do sujeito na criança, cabe situar um pouco esta questão em busca de um deslocamento para repensarmos o quê sustentamos em nossas práticas. Abertura, a partir desta proposta de bate-papo, com acolhimento da diferença de saberes e de quê aspirações temos embutidas em nosso fazer e pensar o cotidiano, visto que há um sujeito em constituição na(s) criança(s).

A responsabilidade diz respeito à uma obrigação em responder pelos próprios atos e/ou pelos de outrem (BUENO, 2000). Questão que nos coloca em relação à uma posição em que temos responsabilidade para com a instituição na qual trabalhamos, incluindo as equipes de trabalho; responsabilidade para com a formação que representamos, a especialidade que escolhemos estudar e representar; responsabilidade para com as crianças e seus familiares que acolhemos na medida em que esta responsabilidade diz respeito à nossa forma pessoal de lidar com estes com os quais mantemos relação.

A sustentabilidade diz acerca de uma habilidade em sustentar, suportar, manter ( BUENO, 2000). O que abre para pensarmos : o quê sustentamos então ? Associando com as responsabilidades, sustentamos desde conhecimentos à aspirações pessoais. Aqueles que sustentam na instituição são os líderes, os coordenadores, os gestores, os profissionais e os familiares. E, o quê sustentam as crianças ? Sustentam à equipe a possibilidade de realizar seu trabalho e à seus pais o desejo de fazer função materna e paterna. Todos os envolvidos neste convívio sustentam conhecimentos e aspirações. Algo de uma amplitude, mas que tem velado aquilo que diz respeito ao sujeito em cada um, ou seja, há aí um querer. A pergunta que permeia esta relação com a habilidade em sustentar tem haver com: O quê querem ? O quê quer cada um dos personagens, atores, pessoas em nossa instituição de trabalho ? Questão que não diz de uma única resposta, mas da singularidade de cada um.

Esta pergunta é também o que move o sujeito em cada um : Che vuoi ? Ou, o que queres ? E, aí cabe situar um pouco de quê sujeito falo aqui. Para tanto, recorro ao dicionário de nossa língua portuguesa para buscar o quê, no senso comum de nossa cultura, entende-se por sujeito. Encontro esta definição que trago em citação:

Adjetivo : escravizado; sem vontade própria; exposto. Substantivo masculino : indivíduo indeterminado ou de quem se omite o nome. Gramática : termo da oração do qual se declara alguma coisa. Verbo : Sujeitar : verbo transitivo ( aquele que pede complemento ( um objeto ) : dominar; subjugar; constranger.”(BUENO, 2000)

Cabe pontuar que nesta definição encontramos um exercício subjetivo em relação ao poder. O sujeito está numa condição desde escravizado à exercendo domínio. Ao ir adiante no situar aqui de quê sujeito falamos, busco a definição do sujeito para a psicanálise e encontro uma relação primeira, historicamente falando, com a filosofia que fica definido como “o próprio homem enquanto fundamento de seus pensamentos e atos”( Roudinesco, 1998 ) . Enquanto que na filosofia este sujeito está permeado pela consciência, para a psicanálise, que vai além, introduz a noção de que este está determinado pelo inconsciente através de traços, significantes primordiais inscritos ou não na relação com outro, com os seus e os dos ambientes em que circulou. Esta idéia desafia a noção de que há um desenvolvimento nato e de que ocorra inerente ao passar do tempo nas crianças, nas pessoas, ou em nós mesmos.

Enquanto que na criança o sujeito está em estruturação, assim numa estrutura que não está decidida ( JERUSALINSKY, 2007 ). O sujeito se constitui desde a primeiríssima infância até a adolescência, quando há o encontro, uma confluência de várias mudanças e transformações, inerentes à puberdade e que aliadas à consistência subjetiva deste, vai definindo-lhe a estrutura. Estrutura esta que tem em si todos os momentos de suas relações constituídas com o outro e o Outro. Ou seja, com o semelhante e com as leis, códigos, regras que também lhe foram inscritos em relação com o meio, com as pessoas e instituições com as quais conviveu, desde família, escola, religião, empresa, etc.

Já o sujeito em nós profissionais está em estrutura decidida, mesmo que convivamos com dúvidas, inquietações, angústias, há neste entrelace nossa estrutura subjetiva na medida do quê temos habilidade em dar sustentação. Vivenciamos ao longo de nossas trajetórias singulares momentos que marcaram nossa constituição como sujeitos, estão em nossa história de vida. Estrutura que está, mais ou menos reconhecida em nós profissionais, dependendo dos envolvimentos experienciados em nosso percurso de vida, no exercício que se fez desde ser olhado, ser falado, ser escutado para daí advir o olhar-se, falar-se, escutar-se. E, neste processo muito singular, por termos tido e desejado este investimento, sempre na relação com outro alguém, é que conseguimos acessar com mais facilidade o quê o sujeito em nós proporciona. Em nossa situação, aqui então temos o papel de responsabilidade em auxiliar na sustentabilidade da inscrição de serem olhadas, serem faladas, serem escutadas. Exercício de discernimento importantíssimo que nos mostra o valor da palavra que usamos.

O ambiente diz respeito ao meio em que vivemos, nossa rua, bairro, cidade, estado, país, planeta, a natureza e sua biodiversidade. Assim então, ambiente é o que nos cerca ou envolve, como o ar que se respira. Já o meio em que trabalhamos inclui também a instituição em que trabalhamos e seu lugar neste ambiente. Enquanto, o trabalho nos conecta ativamente neste meio em que realizamos: “tarefa; aplicação de atividade física ou intelectual; serviço; esforço; emprego; exercício; discussões ou deliberações; empreendimentos; cuidados”(BUENO, 2000). Nesta medida através do trabalho nos conectamos à questões do espaço, através do sujeito em nós, seja qual for o nível de constituição que tenhamos, em um ambiente com clima desde mais humanizado, comercializado, burocratizado, educacionalizado, etc.

Esta forma de articular, através de um bate-papo, pensarmos juntos questões coletivas e ambientais que atingem o sujeito presente em cada um de nós e na criança com a qual trabalhamos, traz a oportunidade de acessar direções de pesquisa que estão sendo desenvolvidas e alavancadas por profissionais de diferentes áreas.

Assim, um dos trabalhos que vem tendo alcance transdisciplinar é desenvolvido em Paris, na França, através da psicanalista Marie Christine Laznik, com a capacitação de médicos de primeira linha na atenção básica, para que tenham indicadores que facilitem-lhes reconhecer, nos primeiros meses de vida, sinais ausentes na relação do bebê com seus pais ou cuidadores que podem desencadear um início de características autísticas nas crianças. Anexo à este artigo há uma reportagem que se encontra no youtube, possibilitando verificar que os profissionais da medicina que até então não dispunham de indicadores que auxiliassem-lhes a detectar sinais precoces no desenvolvimento dos bebês, tem tido acesso à formação na saúde pública através deste programa que por ter foco na primeiríssima infância tem cunho inter e transdisciplinar.

Já no Brasil, há várias instituições e entidades que vem desenvolvendo trabalho com crianças com espectro autista e aquelas em que o diagnóstico já se faz pelo tempo em que não houve a detecção e tratamento dos sinais precocemente. Aqui trago uma pesquisa desenvolvida pela equipe do Lugar de Vida – Centro de Educação Terapêutica, instituição referência no tratamento e no acompanhamento escolar de crianças e adolescentes com problemas psíquicos; onde a educação terapêutica é entendida como um conjunto de práticas interdisciplinares de tratamento com ênfase nas práticas educacionais que visam à retomada do desenvolvimento global ou à retomada da estruturação psíquica interrompida.

Esta pesquisa detecta dos 4 aos 6, dos 6 aos 12 e dos 12 aos 18 meses indicadores clínicos de risco para o desenvolvimento infantil – IRDI – visando a detecção de sinais de risco de autismo. Trabalho este tendo o envolvimento da equipe do Lugar de Vida, da USP, São Paulo, sob a coordenação de Maria Cristina Kupfer. Trabalho que tem investido tanto no trabalho com escolas infantis, quanto com equipes que demandem a formação de pediatras para introduzir indicadores à estes profissionais da medicina do corpo, daquilo que pode estar tendo uma não-estruturação precoce psíquica, no sujeito da criança.

Trabalhos então que vem tendo a partir da clínica com crianças o envolvimento de cunho interdisciplinar, condição necessária para o cuidado de situações de risco na infância e que possam intervir preventivamente, pois nos dois primeiros anos de vida há uma resposta muito rápida dada a potência sináptica neuronal. Os estudos nos primeiros anos da pesquisa tiveram foco na linguagem e prosódia, destacando achados de picos prosódicos presentes quando o bebê conseguia ainda ser fisgado pelo chamado, pela voz de sua mãe ou cuidadores revertendo em um “olhar para”. Estas análises foram possíveis pela cedência, pelos familiares, de filmagens caseiras de crianças em seus ambientes do viver e que tiveram o diagnóstico de autismo confirmado no avanço dos três aos cinco anos de vida.

Teoricamente falando, o não-olhar entre o bebê e sua mãe, sobretudo se esta mãe, ou não parece se dar conta disto, ou não sabe o que fazer com o que está lhes acontecendo. Que pode conduzir ao fracasso do circuito pulsional completo ( primeiro, segundo e terceiro tempos ). E, é no terceiro tempo que o auto-erotismo não se sustenta. O bebê não consegue se oferecer após ter sido fisgado pelo desejo da mãe. Algo da imagem real da mãe através de seu manhês, busca a sustentação do olhar do filho, mas este não se instaura no psiquismo deste bebê. Laznik ( 2004 ) menciona que “se retiramos eros de auto-erotismo, nos encontramos face ao autismo.”

Assim, a detecção de sinais precoces da não-instauração do circuito pulsional completo, levam à um déficit cognitivo importante com o avanço da idade nestas crianças ( Laznik, 2004 ). Ponto importantíssimo que esclarece que não há na lógica de que com o tempo passando, algo vai ser adquirido no desenvolvimento. Mas, seu contrário, algo não instaurado na relação mãe-bebê, cuidadores-bebê, abre para os déficits cognitivos. Sabemos que no futuro de uma criança que desenvolve autismo há estereotipias, automutilações, desvio do olhar na relação com humanos e presença de olhar para objetos, a partir do segundo, terceiro anos. Assim, o déficit cognitivo só aparece quando algo do sujeito não ficou instaurado. E, muitos outros elementos do quadro autístico têm aí sua fonte. Assim como as falhas nos processos de condensação e deslocamentos, próprios ao pensar inconsciente, à dimensão da simbolização.

Atualmente, as pesquisas estão focando, articulados com o manhês acima apontado, intervenções interdisciplinares que agregam hoje exames que observam os fluxos auditivo e sensório-motor. Estes exames foram sendo sustentados no trabalho da equipe que trabalha em parceria com Laznik para que os sinais de diferença entre um bebê com características depressivas e um bebê com características autísticas, que poderiam ambos apresentar dificuldades no terceiro tempo da instauração da pulsão, pudessem ser detectados e não oferecessem dúvidas acerca dos indicadores necessários a serem observados pelos profissionais de primeira linha atuantes na saúde básica. Visto que estes passaram a ter roteiros de questões que poderiam ou não indicar, em seu conjunto, sinais precoces de não-instauração pulsional e aí encontrar os estratos autísticos nos bebês.

As diferenças detectadas foram de que os bebês com características depressivas tem a preensão presente, ou seja, se agarram ao outro quando no colo. E, após terem introduzidos objetos na relação, seu olhar retorna para o chamado da voz do cuidador.

Ao passo que nos bebês com espectro autista, a preensão está ausente, não se agarram ao outro no colo oferecido. Pode passar a haver presente em seu movimento motor uma dissimetria corporal, utilizando-se de um dos lados do corpinho para realizar seus deslocamentos. Percebeu-se que ao invés de um distanciamento de sua atenção, há na verdade, uma hipersensibilidade nos bebês com espectro autista, que ocasiona o desfocar o olhar. Já na introdução de objetos, nada desconcentra, há uma retração de sua atenção para o ambiente, uma espécie de isolamento. E, assim no avanço destes sinais há um aumento de interesse pelos objetos, que representariam este isolamento da relação, não saber se fazer objeto do outro, oferecer-se em auto-erotismo para continuar o avanço das conexões do esquema corporal, rumo à imagem do corpo. Por falta de uma imagem real, alguém que faça ali esta função de Eros e que consiga sustentar o tempo necessário para que este bebê tenha a finalização da inscrição do circuito completo da pulsão. E, também, o interesse pelos humanos diminui, visto que não conseguem chamar-lhes a atenção para si. Enquanto que nem estes suportam que não estejam conseguindo contato, e passam a negar o que está ocorrendo e passam a reforçar a introdução de objetos para conseguirem alguma atenção do bebê.

Pesquisas com o genoma apontam para a importância dos genes na relação com o meio. Estudos com os gens de gêmeos que realizaram escolhas de direções de vida distintas, escolhas diferentes em seu fazer, em ambientes também diferentes, e a alteração de seus genes, até então idênticos. Há nas referências bibliográficas anexadas à este artigo o endereço de vídeo no youtube que traz uma reportagem acerca deste assunto.

Em relação às pesquisas, com o código genético de autistas diagnosticados em comparação com aqueles que não desenvolveram tais características, há a visualização de quais os genes envolvidos no quadro autista. E, quanto à alguma expectativa de que algum cromossomo pudesse estar envolvido em sua totalidade no desenvolvimento do quadro, até o momento não se realizou. Não há até o momento alterações significativas nos cromossomos de autistas diagnosticados, mas várias pequenas diferenças. Outro achado de pesquisa diz da presença de refluxo nas crianças com espectro autista, sendo que o gene envolvido neste é também aquele presente na neurotransmissão. Nas imagens cerebrais houve detecção de conexões mais curtas, além de processos sinápticos inadequados. No cérebro a área que diz respeito ao rosto é a fusiforme, sendo que a área do objeto é próxima à esta fusiforme. Em pesquisa realizada por italianos, através de exame com captura tridimensional, mostra que crianças com espectro autista tratam o rosto como objeto. E, buscam a boca e não os olhos das pessoas quando entram em contato.

Este foi um apanhado para este bate-papo que possa nos fortalecer a refletirmos:

Qual nossa posição em nosso(s) ambiente(s) de trabalho para: prevenir doenças mentais e déficits cognitivos e estimular a constituição do sujeito ?

E, para finalizar aqui, o que possa ter continuidade na realidade de trabalho de cada um de nós, deixo duas citações de pessoas que tiveram em sua trajetória características similares, enfrentar muitos desafios para que o que está instituído pudesse ter outras formas de compreensão.

“Passei realmente grande parte da minha vida trabalhando na desconstrução de minhas próprias ilusões e da humanidade.” Sigmund Freud

“Porque eu sempre nado contra a corrente? Porque só assim se chega às nascentes.” José Lutzenberger

Pois, penso que enquanto não saibamos o que sustenta em nós o nosso fazer, quais são nossas ilusões e ideais, não estaremos aptos a perceber nossa responsabilidade pela sustentabilidade da constituição do sujeito nas crianças de nosso ambiente de trabalho. E, os efeitos de nossas posições estarão sempre, querendo ou não, retornando para nós. Assim, a abertura necessária para realizar prevenção cabe enfrentar os efeitos de nossas posições diante do instituído.

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[i] Dados de pesquisas trazidos a partir das apresentações e comentários de Alfredo Jerusalinky ( Porto Alegre, Brasil ), David Cohen ( Paris, França ), Filippo Muratori ( Pisa, Itália ), Kenneth Aitken ( Edimburgo, Escócia ), Marie Christine Laznik ( Paris, França ), Maria Cristina Machado Kupfer ( São Paulo, Brasil ) e Marcos Mercadante – in memoran ( São Paulo, Brasil ) – Conferencistas e palestrantes do Congresso Internacional sobre Autismo: prevenção, intervenção e pesquisa.Realizado pela Associação Psicanalítica de Curitiba, Brasil, 2011.

Referências Bibliográficas

Bueno, Silveira. Silveira Bueno:minidicionário da língua portuguesa. Ed. Ver. e atual. – São Paulo : FTD, 2000.

Jerusalinsky, Alfredo. Psicanálise e desenvolvimento infantil : um enfoque transdisciplinar. Porto Alegre : Artes e Ofícios, 2007.

Laznik, Marie Christine. A voz da sereia: o autismo e os impasses na constituição do sujeito. Salvador, BA : Ágalma, 2004.

Laznik, M.C.; Cohen, D.( orgs ). O bebê e seus intérpretes: clínica e pesquisa. São Paulo : Instituto Langage, 2011.

Roudinesco, Elisabeth. Dicionário de psicanálise/Elisabeth Roudinesco, Michel Plon. Rio de Janeiro : Jorge Zahar Ed., 1998.

Congresso Internacional , Autismo: prevenção, intervenção e pesquisa. Realizado pela Associação Psicanalítica de Curitiba, Brasil, 2011. Dados de pesquisas trazidos a partir das apresentações e comentários dos conferencistas e palestrantes: Alfredo Jerusalinky ( Porto Alegre, Brasil ), David Cohen ( Paris, França ), Filippo Muratori ( Pisa, Itália ), Kenneth Aitken ( Edimburgo, Escócia ), Marie Christine Laznik ( Paris, França ), Maria Cristina Machado Kupfer ( São Paulo, Brasil ) e Marcos Mercadante – in memoran ( São Paulo, Brasil ).

Links do Youtube :

Epigenética : http://www.youtube.com/watch?v=VbUvjvC2HaE&list=FLxP6CH3jW-hf21qTGtBdVwg&index=1 ;

Autismo : http://www.youtube.com/watch?v=eCYBv2jqYJc&list=FLxP6CH3jW-hf21qTGtBdVwg&index=2

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